quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Exposição de Regina José Galindo


Acontecerá na Fundaj durante os dias 10 de novembro até 23 de dezembro a exposição da guatemalteca Regina José Galindo. O release da obra segue abaixo:

A obra da guatemalteca Regina José Galindo se insere em tradição artística que negocia e comenta a presença do corpo humano em situações de convívio e conflito, borrando os limites que apartam o universo íntimo do indivíduo e o ambiente social onde está inscrito. Seus trabalhos não se ancoram, contudo, em noções abstratas de disputa, mas no ambiente de... extrema violência política que marcou a Guatemala por quase toda a segunda metade do século XX, e que ainda hoje se insinua nas esferas da vida pública e privada do país. É a partir da reflexão crítica sobre o que é próprio ao seu lugar de origem que melhor evoca histórias semelhantes ocorridas em outros cantos.

Elegendo a performance como principal meio expressivo, a artista quase sempre toma o próprio corpo como suporte de seus trabalhos, fazendo-o lugar privilegiado da enunciação de seu discurso. Usa seu corpo, contudo, “não como corpo individual, mas como corpo social, corpo coletivo, corpo global”, buscando refletir nele também a experiência do outro ou torná-lo índice de um desconforto difuso e amplo. O caráter efêmero de seus trabalhos faz, ademais, com que o registro em vídeo ou fotografia se transforme na única maneira possível de lhe dar permanência e de fazer com que alcance outras audiências além da mais imediata.

Integram a exposição Corpo Social, de Regina José Galindo, os seguintes vídeos:

Mientras, ellos siguen libres (2007)
A artista, grávida de oito meses, aparece atada a uma cama por cordões umbilicais, com seu corpo desnudo exposto em forma de cruz. A referência imediata são as seguidas violações a que as mulheres indígenas eram submetidas pelo exército da Guatemala durante a guerra civil que assolou o país por décadas. O estupro continuado era considerado, pelos soldados, uma maneira de provocar o aborto das mulheres que terminavam engravidando como resultado do abuso sexual, em violento círculo vicioso.

Perra (2005)
Em ato de protesto contra a violência endêmica contra as mulheres na Guatemala, a artista inscreve a palavra perra (cujo significado em espanhol é cadela ou puta) em sua perna, usando para isso uma faca. Espelha, assim, o fato de que, na Guatemala, corpos de mulheres torturadas são frequentemente achados com tais inscrições feitas com navalha ou faca. Aqui, o corpo individual de Galindo se torna um lugar em que um ato de injustiça social é literalmente incorporado em sua pele.

Confesión (2007)
Para esse trabalho, a artista contratou um guarda-costas para sujeitá-la a um tipo de tortura por afogamento. Instruído a usar toda sua força, é possível testemunhar a disputa desigual entre o guarda-costas, que por várias vezes força Galindo a ficar sob a superfície da água, e a artista, que luta para libertar-se de seu controle. Embora o trabalho seja resposta à realidade dos recentes crimes de Estado cometidos por governos diversos durante a chamada “Guerra ao Terror”, ele faz alusões mais amplas a formas diversas de abusos de poder, focando na relação entre o algoz e a vítima.

Tumba (2009)
Sete sacos são lançados ao mar, de um pequeno barco, com a intenção de fazê-los desaparecer. Cada saco está cheio de areia, com o volume e o peso similar ao de um corpo humano. Realizado na costa da República Dominicana, este trabalho faz uma referência direta às vítimas do tráfico de drogas e de pessoas no Caribe, embora também simbolize os “desaparecidos” – vítimas universais de genocídios que desaparecem sem deixar traço, problema vivido, de maneira mais próxima pela artista, na Guatemala.

Limpieza social (2006)
O corpo nu da artista é atacado com fortes jatos de água que saem de uma mangueira, até o ponto de sua exaustão, lembrando forma de repressão frequentemente utilizada pela polícia em demonstrações populares nas ruas.

Regina José Galindo nasceu na Guatemala em 1974, onde ainda mora. A partir de 1999, a artista chama a atenção para a opressão de mulheres e pobres em seu país nativo através da ativação de seu corpo como um lugar de inscrição social. Seu trabalho tem sido exibido em inúmeras exposições individuais e coletivas em países diversos. Entre as últimas incluem-se Venice-Istanbul, Museum of Modern Art, Istambul; Into Me, Out of Me, P.S.1, Nova York e Kunst-Werke, Berlim; MASH, Miami; Las Fronteras del Género, Zaragoza, Espanha; Estrecho Dudoso, Teorética, San José, Costa Rica; MENS mankind, S.M.A.K., Bruxelas; Courants Alternatifs, PARVIS, Paris e Bordeaux, França; Eretica, Palermo, Itália; Il Potere delle Donne, Galleria Civica di Arte Contemporanea, Trento, Itália; Produciendo Realidad, Lucca, Itália; First Festival of Corporal Art, Caracas, Venezuela. Ela foi convidada a participar da Bienal de Moscou 2007; I Bienal Arquitectura, Arte Paisaje, Ilhas Canárias, em 2006; III Bienal de Tirana, Albânia, em 2005; Bienal de Veneza, em 2001 e 2005; II Bienal de Praga, em 2005, e III Bienal de Lima, Peru, em 2002. Regina José Galindo ganhou o prêmio Leão de Ouro para jovens artistas por sua participação na Bienal de Veneza em 2005.

A exposição de Regina José Galindo dá seguimento ao projeto Política da Arte, desenvolvido pela Coordenação de Artes Visuais da Diretoria de Cultura da Fundação Joaquim Nabuco. Iniciado em 2009, o projeto compreende a realização de mostras e ações reflexivas, articulando dimensões distintas, mas igualmente importantes, das atividades da Fundação Joaquim Nabuco. O projeto Política da Arte tem como pressuposto a noção de que mais do que dar visibilidade a imagens, textos e ideias criados em outras partes, a arte é capaz de, a partir dela mesma, desafiar os consensos e acordos que organizam e apaziguam a vida. Ao embaralhar os temas e as atitudes que a cada lugar e momento cabem no campo do possível, a arte aponta para a possibilidade do novo e tece a sua própria política.

Em paralelo à mostra de Regina José Galindo será realizado um debate sobre o tema Violência de Estado, Memória e Arte na América Latina. Durante dois dias (23 e 24 de novembro) e tendo como pano de fundo a criação da Comissão da Verdade recém-proposta pelo governo brasileiro, ativistas de direitos humanos, pesquisadores e artistas irão discutir o assunto à luz de conceitos como os de memória e esquecimento, verdade e fraude, ética e estética, política e polícia, justiça e perdão. O debate será oportunidade para explicitar disputas sobre o tema e exercitar a troca entre campos distintos de conhecimento, assumindo as perdas e ganhos dessa interlocução.

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